sábado, 31 de maio de 2014

Cultura Ameríndia:

Do Livro: AMÉRICA MÍTICA Histórias Fantásticas de Povos Nativos e Pré-Colombianos , de: Rosana Rios , Editora: Bezouro Box


COMO NANABOZHO CRIOU A TERRA
( Mito Algonquin do Canadá )

Num tempo muito, muito distante, do qual ninguém pode se lembrar, vivia Nanabozho, o feiticeiro criador. Ele era jovem e morava na água, pois não havia mais nenhum lugar para se viver. Nada existia além de um mar sem fim. No alto, viam-se as estrelas e as nuvens; entre elas um vento frio soprava suavemente, e seu sopro era o único que se ouvia. O resto era o silêncio pairando sobre as águas. Durante muito tempo, Nanabozho viveu sozinho, mas depois decidiu que precisava de criaturas para lhe fazer companhia. Então ele criou a tartaruga, e lhe deu uma carapaça forte e protetora. Depois criou o rato- almiscarado, e lhe deu um pelo bem longo – tão longo que podia abrigar bolhas de ar, para que o animal tivesse como respirar quando mergulhava no imenso oceano: era só enfiar o focinho entre o próprio pelo e absorver o ar ali guardado. Depois disso, Nanabozho criou a lontra, que sabe nadar tão bem e tão depressa. E também o castor, dando-lhe uma cauda achatada e uma pelagem marrom bem compacta. No grande mar que cobria o mundo, os quatro animais fizeram companhia ao criador. Nadavam com ele, conversavam, pescavam os peixes, que faziam parte do mar, para se alimentar. Porém Nanabozho acabou se aborrecendo com as conversas deles e começou a imaginar como criar seres mais interessantes. Concluiu, porém, que o problema não eram seus companheiros, era o excesso de água. “Quero descansar meus pés em algo sólido”, ele refletiu. “E se eu ficar em pé e colocar um pé diante do outro, poderei andar! Estou cansado de nadar.” Mas onde conseguir algo sólido em toda aquela água que cobria o mundo? Certo dia, ao ver a lontra nadando rapidamente e mergulhando, Nanabozho teve uma ideia. Devia haver algo sólido sob a água, impedindo que o mar escoasse! Assim pensando, Nanabozho respirou fundo para reter bastante ar e mergulhou no oceano sem fim. Nadou para baixo, cada vez mais para o fundo, até que as águas ficaram tão escuras, que nada se podia enxergar. E o fundo parecia não existir... Quando o ar que havia inalado acabou, o criador voltou à superfície para respirar. Os quatro animais estavam preocupados com ele, pois não sabiam para onde tinha ido. Ele explicou aos amigos o que tentara fazer e que não encontrara o fundo do mar, pois não pudera respirar mais tempo sob a água. Mas quando disse que tinha outra ideia, os amigos trataram logo de sair de perto – pois, quando Nanabozho tinha ideias, sempre os metia em apuros! – Você, castor! – disse o criador, sem se perturbar -, vai mergulhar para mim. Vou amarrar minha linha de pesca em sua cauda e puxá-lo de volta se ficar sem ar para respirar. O castor não queria fazer aquilo, mas não podia se recusar, pois Nanabozho era um grande feiticeiro e sempre alcançava tudo o que desejava. O animalzinho olhou para os amigos com os olhos tristes, sacudiu a cauda, na qual o criador prendera a linha de pesca, e mergulhou. Os outros ficaram em expectativa. Por algum tempo Nanabozho sentia a linha esticada deslizar por suas mãos, o mergulho do castor parecia sem fim. De repente ela parou e ficou folgada. O criador começou a puxar, puxar... a tartaruga, a lontra e o rato-almiscarado se entreolharam tristes. Finalmente Nanabozho recolheu o corpo inerte do pobre castor. Seus pulmões não haviam aguentado. Durante alguns dias, nada aconteceu, mas logo o criador desejou tentar de novo. – “Agora é a vez do rato-almiscarado” – disse ele. – Tenho uma nova linha de pesca e vou emendar com a outra, assim poderá ir mais fundo. Naturalmente, o animal não queria fazer a tentativa. – “Veja só o que aconteceu com o castor!” Ele choramingou. Nanabozho lhe disse: - “ Você sabe como armazenar ar em seu pelo, poderá respirar por bastante tempo sob a água.” O rato-almiscarado sabia que conseguiria armazenar só um pouquinho de ar, mas não negaria o pedido do feiticeiro. Deixou que ele amarrasse a linha de pesca em sua cauda, despediu-se dos companheiros com um olhar tristonho e mergulhou. A linha deslizou pelas mãos de Nanabozho mais rapidamente desta vez, pois o rato-almiscarado nadava depressa, querendo chegar logo ao fundo do oceano. Mas o tempo passou e ele não voltava; até que a linha parou completamente de se mover. O criador começou a puxar, puxar, puxar. E finalmente eles viram o corpo do animalzinho subir à superfície. Ele também não sobrevivera ao mergulho; mas todos perceberam que, entre as patinhas da frente, segurava alguma coisa pequena e marrom. Nanabozho retirou com cuidado o material que o rato-almiscarado trouxera, com tanto sacrifício. Era um punhado de coisa molhada e grudenta; ele colocou sobre a carapaça da tartaruga para secar. Após cheirar e provar a substância, anunciou: - “Acho que isto é barro.” O feiticeiro, a lontra e a tartaruga resolveram esperar que aquela lama estivesse quase seca. Mas Nanabozho cansou de aguardar e começou a trabalhar nela com os dedos. O pequeno bocado de lama foi crescendo entre suas mãos enquanto ele o moldava. Até que aumentou tanto de tamanho que se transformou em uma grande extensão de chão, onde muitas criaturas poderiam habitar! E essa foi a primeira terra que existiu em nosso mundo. Todos viram que ali havia espaço para o crescimento de plantas e árvores. Havia sulcos para que corressem rios. Os calombos no barro se transformaram em montanhas, as depressões se encheram de água e viraram lagos. Os animais e as pessoas já podiam existir, pois agora possuíam um lugar para morar; e Nanabozho, o criador, conseguiria andar ao invés de nadar. Mas como ele tinha sido muito apressado e não deixara o barro secar completamente, alguns pontos permaneceram molhados e grudentos. Estes são os pântanos, que jamais ficarão secos.

POVO ALGONQUIN: Consta que os Algonquins foram os primeiros grupos nativos a terem contato com os colonizadores, e que tinham boas relações com os franceses, mas não eram grandes inimigos das tribos dos iroqueses. Eram povos sedentários, dotados de técnicas adiantadas de agricultura e extrema habilidade no curtimento das peles de cervo e na confecção de vestes. Também são famosos os mantos de plumas que teciam. Vários grupos tribais foram designados como Algonquins ou Algonkins. O nome designa ainda a língua básica de muitos povos, considerados integrantes do maior grupo linguístico da América do Norte. No Canadá, eles eram originários do Leste, acima da região dos grandes lagos. Grupos tribais canadenses incluíam os Beothuk, Micmac, Malecite, Montagnais, Naskapi, Ojibwa, Cree e os Algonquin propriamente ditos. Também havia povos Algonquin no território dos Estados Unidos; diz-se que eram numerosíssimos e se espalhavam desde o Oceano Atlântico até as Montanhas Rochosas. Compreendiam, entre muitas outras tribos, os Cheyenne, Arapaho, Chippewa, Pottawatomi, Illinois, Miami, Shawnee; na Costa Leste estavam radicados os Pequod, Mohegan, Delaware, Abnaki. Também se contam entre os algonquins as três tribos Blakcfoot (Pés-negros): os Siksika, os Blood, os Piegan.

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OS SERES DA ESCURIDÃO
( Mito Apache Jicarilla )

No começo, a Terra era totalmente coberta pela água, e todas as coisas viventes tinham de morar abaixo do oceano, num mundo subterrâneo totalmente escuro. Nesse tempo, tudo podia falar: as pessoas, os animais, as árvores, as pedras, os espíritos, até as tempestades. A única forma de se enxergar alguma coisa lá nas profundezas era acendendo tochas com as penas das águias. E os seres do subterrâneo conversavam e discutiam sem parar. O urso, o leão-da-montanha e a coruja gostavam das trevas; porém, as pessoas e algumas aves como a pega e a codorna desejavam a luz, pois estavam cansadas de viver no escuro. Tanto eles discutiram uns com os outros, que resolveram deixar a decisão sobre haver luz, ou não, à sorte: todos se enfrentariam num jogo. Se os animais noturnos ganhassem a partida, haveria trevas para sempre; mas se os que amavam luz vencessem, a claridade se espalharia pelo mundo. O jogo escolhido foi o do botão-pela-fresta. Um pequeno botão estava perdido na escuridão, e quem o visse primeiro ganharia a rodada. Quando a partida começou, a codorna e a pega, com seus olhinhos agudos, viram o botão através dos arbustos; os homens foram lá e o pegaram. Assim, os diurnos venceram a primeira rodada. E, imediatamente, surgiu, lá no alto, a estrela da manhã! O urso-negro, aborrecido, fugiu e foi se esconder em locais escuros. O jogo recomeçou e mais uma vez os amantes da luz venceram a rodada. Assim que eles gritaram de alegria por terem encontrado o botão, o Leste começou a se iluminar. Com medo da luz, o urso pardo também correu para longe e desapareceu nas trevas. Na continuação do jogo, as pessoas logo encontraram o botão e, ao vencerem a terceira rodada, a claridade foi se espalhando lá no alto. O leão-da-montanha, intimidado pela luz, tratou de sumir em busca de sombras. A quarta rodada não poderia ser diferente: com menos noturnos em jogo, os diurnos venceram facilmente. Então todos viram o Sol nascer pela primeira vez. Fez-se o dia! E a coruja voou, o mais depressa que conseguiu, em busca de um refúgio. Agora havia luz, com um Sol e até uma Lua para iluminar o subterrâneo. E a claridade mostrou aos moradores das profundezas que existia um outro mundo, mais acima. Um buraco lá no alto era uma passagem para esse lugar. Todos ficaram curiosos para conhecer o tal mundo e começaram a pensar numa forma de chegar lá. Com a ajuda de um espírito poderoso chamado Tornado, as pessoas, as aves, os búfalos e outros animais começaram a construir montes em que pudessem subir para chegar ao buraco no teto de sua morada: fizeram quatro grandes pilhas de terra em cada um dos pontos cardeais. Ao Leste, plantaram no monte várias árvores que davam frutos de cor negra. Ao Sul, após erguerem a elevação, plantaram muitas árvores que davam frutos azuis. No monte erguido a Oeste, escolheram para semear plantas que dessem frutos amarelos. Por fim, ao Norte, plantaram, sobre o monte de terra, vegetais que dariam frutos de cores variadas. Conforme as árvores e os arbustos plantados iam crescendo, os montes de terra iam crescendo também e se transformando primeiro em morros, depois em montanhas. As pessoas e os animais observavam aquela maravilha e esperavam ansiosamente pelo momento em que eles fossem tão altos que alcançariam a passagem para o mundo acima. Porém, certo dia, duas meninas resolveram subir escondidas em um dos morros para colher frutinhas e flores. E, quando chegaram lá no alto, de repente, as quatro montanhas pararam de crescer! Intrigadas, as pessoas chamaram o espírito Tornado e lhe pediram para descobrir o que havia acontecido. Ele encontrou as duas garotas e as levou de volta às suas famílias. – “As montanhas não crescerão mais” – disse ele. – “E agora o mesmo acontecerá com os meninos do seu povo. Eles crescerão bastante, até o dia em que, pela primeira vez, estiverem com uma mulher; então deixarão de crescer. Como não havia jeito, os animais e as pessoas se conformaram com o que ocorrera. Mas as montanhas não haviam se tornado altas o suficiente para que fosse possível alcançar o buraco lá em cima. Então eles resolveram fazer outras tentativas. Primeiro, tentaram construir uma escada unindo penas de pássaros, mas, assim que alguém subia, os frágeis degraus se quebravam. Em seguida, tentaram usar penas de águia para fazer a escada e, embora estas fossem mais resistentes, ainda não produziam degraus bastante fortes para sustentar o peso de quem subia. Foi então que os búfalos ofereceram seus chifres, que naquela época eram longos e retos. Com os chifres de búfalo, foi feita uma escada bem resistente que permitiu aos seres humanos subir até o buraco. O peso das pessoas, contudo, era tanto, que os chifres dos búfalos se entortaram e permanecem recurvos até hoje. Quando os primeiros homens viram o mundo lá em cima, através do buraco, descobriram que ele era totalmente escuro e que estava coberto pelas águas. As aranhas resolveram ajudar: teceram fios bem fortes e com eles amarraram o Sol e a Lua. Os astros luminosos saíram pelo buraco e iluminaram o mundo superior, presos pelos fios. E, mesmo com toda a luz que levaram, ainda assim não se podia ver, lá fora, nenhum lugar sólido em que os seres do subterrâneo pudessem pisar. Foi decidido que as quatro tempestades também poderiam ajudar. Elas subiram para a superfície do mar enorme e começaram a soprar... A tempestade negra empurrou as águas para formar o oceano do Leste. A tempestade azul soprou com força para o Sul e enrolou as águas nessa direção, criando outro oceano. A tempestade amarela fez as águas irem para o Oeste para lá formarem outro oceano. E, por fim, a tempestade de várias cores soprou e enrolou as águas que restavam em direção ao Norte, onde se criou um outro oceano. No centro do mundo superior, a terra começou a secar. A doninha-fedorenta estava com muita pressa e foi o primeiro animal a sair pelo buraco; mas a terra ainda estava úmida e suas patas afundaram na lama, tornando-se negras desde então. Depois o texugo saiu e também teve as patas manchadas de preto. Tornado teve de ir buscar os dois animaizinhos e trazê-los para baixo, enquanto todos esperavam que a terra secasse de uma vez. Mas o castor saiu também e, sentindo a terra mais sólida, foi explorá-la. Viu, então, que as águas estavam indo embora, mas ainda havia água doce no centro daquele mundo. Mais que depressa, ele se pôs a trabalhar na construção de um dique, para represar aquela água antes que ela fosse embora. Vendo que o castor não retornava, Tornado saiu para procura-lo; ao encontra-lo tão ocupado, perguntou o que estava fazendo. – “Estou guardando a água para que todos possam beber “ – respondeu ele. Depois que o dique ficou pronto, criando um grande lago, Tornado e o castor voltaram ao mundo subterrâneo para esperar um pouco mais. Finalmente, os homens e os espíritos e os animais enviaram um corvo cinzento para voar lá em cima e avisar se já era seguro que todos subissem. O corvo voou sobre o mundo superior. Encontrou terras secas, os quatro mares ao seu redor e o grande lago formado pelo dique do castor no centro. Mas nos terrenos de que os mares tinham sido expulsos pelas tempestades, encontrou muitos peixes mortos, sapos e répteis semienterrados. Animado, o corvo começou a bica-lo e a comer seus olhos. Tão ocupado ficou a se alimentar que demorou a voltar. Tornado se preocupou e foi procura-lo. O espírito levou o corvo de volta e as pessoas e os animais o desprezaram por comer carne morta; desde então a penugem do corvo se tornou negra. Mas agora os seres do subterrâneo sabiam que podiam subir! Estava na hora. Um por um, todos escalaram a escada de chifres de búfalo e chegaram a sua nova moradia. O mundo agora era claro, pois o Sol e a Lua brilhavam em turnos, sempre presos pelos fios de teia de aranha. Então, cada animal e cada povo foi viajando e escolhendo um lugar para morar. Muitas tribos pararam perto dos quatro mares, outras fizeram suas moradas longe dele. Somente os Jicarilla não apreciavam nenhum lugar e ficavam dando voltas em torno do buraco de onde haviam saído. Quando haviam dado três voltas, os espíritos lhe perguntaram onde queriam morar. - “No meio da terra” –disseram eles. E então aquele povo ficou ali mesmo e construiu no meio do mundo os lares onde suas famílias viveriam para sempre.

POVO APACHE JICARILLA: O nome pelo qual esse grupo tribal chama a si mesmo, na verdade, é N´de ou Dineh, o Povo. A palavra apache vem de apachu, que significa “inimigo” na língua do povo Zuni. E o nome Jicarilla vem de uma palavra em espanhol que quer dizer “pequena cesta”, pois eles tecem cestinhas compactas para beber líquidos. Suas cestas são famosas pela beleza e pela habilidade com que são tecidas. Assim como todos os chamados Apache, os Jicarilla pertencem à família linguística Athapaskan ou Atabascana. Fazem parte de povos que migraram, em tempos ancestrais, do Canadá para regiões do Arizona e do Novo México. Compreendiam os grupos tribais denominados Lipan, Jicarilla, Chiricahua, Tonto, Mescalero e os chamados Apaches das Montanhas Brancas. Um povo originalmente nômade, os Apache construíam tendas em formato cônico apoiados em quatro altos galhos. Tinham os cabelos longos e presos com tiras artesanais na testa. Usavam sapatos mocassim feitos de pele de cervos, o que lhes permitia andar por terrenos acidentados e correr mais rapidamente do que seus inimigos. As mulheres ocupavam lugares de destaque em sua sociedade. Considerados grandes caçadores, sua arma principal era o arco; mesmo após entrarem em contato com os colonizadores e obterem armas de fogo, continuaram a usar arco-e-flecha com grande perícia. Foram muito atacados por colonos americanos e mexicanos, envolvendo-se em várias guerras. Hoje, os remanescentes desse valente povo vivem em reservas localizadas no Novo México e no Arizona.

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A CRIAÇÃO DO QUINTO MUNDO
( Mito Asteca )

O primeiro de todos os deuses foi Ometéotl, o criador. Ele vivia em Omeyocán, o mais elevado de todos os 13 céus. Como era um deus masculino e, ao mesmo tempo, feminino, gerou filhos tanto com os poderes celestiais como também com as forças da terra. Os quatro principais filhos de Ometéotl foram os deuses que deram origem ao universo: Tezcatlipoca, Quetzalcoatl, Tlaloc e Chaichulhuitlicue. Eles governaram nas primeiras idades desta terra, tornando-se, um por vez, o Sol que iria iluminar cada mundo. A Primeira Idade se chamou Sol do Jaguar, e nela o mundo foi criado pelo feroz Tezcatlipoca, o Espelho Fumegante. Ele também era conhecido como Deus do Castigo e Deus do Calendário, pois foi quem colocou o universo em movimento. Era senhor do céu noturno e do frio e sabia de tudo que acontecia ao olhar em seu fantástico espelho de obsidiana. Mas essa díade não durou muito: certo dia veio do norte um poderoso jaguar, que saltou tão alto que alcançou o céu e engoliu o sol, trazendo as trevas. Há quem diga que esse jaguar era o próprio Tezcatlipoca, que apreciava a destruição e decidira acabar com o mundo. A Segunda Idade foi a do Sol do Vento, criada por outro dos filhos de Ometéotl, Ehecatl-Quetzalcoatl, que se tornaria conhecido como Serpente de Plumas e deus do Vento. No segundo mundo, viveram muitos seres humanos e houve inúmeros feiticeiros. Esse tempo terminou com vendavais desencadeados por Quetzacoatl. Tudo parece ter começado com as magias dos feiticeiros, que foram transformando os seres humanos da época em macacos; então os ventos varreram a Terra violentamente, soprando do Oeste para o Leste. E, quando nada mais restava, iniciou-se a Terceira Idade. O terceiro mundo, também conhecido como Sol da Chuva de Fogo, passou a existir sob os auspícios de Tlaloc, o deus da chuva, dos relâmpagos e dos raios. Ele era considerado pelos homens um príncipe-feiticeiro, protetor da agricultura. Porém, Tlaloc também era o senhor dos vulcões e quando ele decidiu que esse mundo fosse destruído, uma enxurrada de lava veio do Sul e tudo que existia foi queimado; nada restou, abrindo-se o caminho para a Quarta Idade. A deusa Chaichulhuitlicue governou nessa era, denominada como Sol da Água. Sendo a grande Deusa das Águas Doces, a ela eram consagradas as crianças após nascerem e dela os bebês recebiam o seu primeiro banho. Quando chegou a hora de o quarto mundo ser destruído, Chaichulhuitlicue mandou um dilúvio que veio do Leste e inundou as terras, afogando todas as criaturas. Conta-se que houve apenas um homem e uma mulher que sobreviveram à aniquilação: eles fugiram das águas e se refugiaram em um cipreste muito alto. Contudo, foram vistos pelo Deus Tlaloc, que foi até eles e os transformou em cachorros. Assim, não restou ninguém da Quarta Idade e todo o universo ficou na escuridão. Quando os deuses quiseram criar um quinto mundo, reuniram-se para deliberar o que fazer. Primeiro, era preciso criar novos seres humanos para habitá-lo. Quetzalcoatl, então, decidiu descer ao mundo subterrâneo em que reinava o Deus Mictlantecuhtli. Seu duplo, o Deus Xolotl, o acompanhou até Mictlán, o sinistro lugar em que jaziam os ossos e as cinzas dos mortos, e sopravam os gelados ventos cortantes de obsidiana. Os dois deuses, escondidos, conseguiram roubar muitos ossos e muitas cinzas; mas, na viagem ao mundo superior, foram perseguidos pelo feroz Mictlantecuhtli, que lhes preparou várias armadilhas. Conseguiram, a custo, chegar à superfície levando parte do que haviam roubado. Com a ajuda de Tezcatlipoca, Quetzalcoatl começou a modelar os ossos e as cinzas, criando novos homens e novas mulheres. Para dar-lhes vida, o Deus Serpente Emplumada tomou o cutelo e cortou o próprio corpo em vários pontos, derramando seu sangue sobre os corpos modelados. Assim, da matéria dos antepassados mortos e do sangue do Deus, surgiram os primeiros seres humanos, antepassados do povo Asteca e da humanidade que habitaria a Quinta Idade. No entanto, o mundo continuava no escuro, e os deuses sabiam que, para que houvesse luz, seria necessário que um deles se deixasse matar. A luz demandava sangue. Mas... Quem se ofereceria para o sacrifício? Entre os muitos deuses ali reunidos, dois deles se apresentaram: Tecciztecatl, um deus belo e trajado ricamente, e Nanauatzin, um deus pequeno, humilde e vestido com simplicidade. Aliviados por haver dois candidatos, os demais deuses preparavam o sacrifício. Começaram a construir uma pirâmide muito alta, em cuja base seria acesa uma enorme fogueira. Enquanto isso, os dois candidatos se preparavam fazendo penitências e oferendas. Tecciztecatl trouxe muitas joias, pedras preciosas e plumas belíssimas; vestiram-no com um rico manto tecido com penas de pássaro. Nanauatzin trouxe apenas frutos da terra, caniços, feno, bolotas; foi trajado com roupas simples e sem qualquer ornamento. Quando a fogueira sacrificial foi acesa, os dois deuses subiram ao alto da pirâmide, de onde deviam atirar-se às chamas, para morrerem queimados e então renascerem como luz. O orgulhoso Tecciztecatl, porém, teve medo. Ameaçou jogar-se e recuou por quatro-vezes. Já Nanauatzin não hesitou; lançou-se lá do alto na enorme fogueira e, no mesmo instante, se transformou no Sol. Somente então o outro deus superou o medo e conseguiu atirar-se também: ele se tornou a Lua. Houve ainda um problema: o Sol e a Lua permaneciam parados no céu, não se moviam. Quetzalcoatl, em sua forma de Ehecatl, o Vento, que é o aspecto mais terrível desse deus, ergueu o cutelo: para mover os astros, um grande sacrifício seria necessário. E todos os deuses tiveram de se submeter à imolação sobre a pirâmide. Apenas Xolotl fugiu, com medo de morrer, e por isso se tornou o repugnante Deus dos Monstros. Quando o sangue dos deuses havia sido derramado, finalmente o Sol e a Lua começaram a se movimentar no céu. Houve luz durante o dia e também à noite. Os seres humanos recém-criados receberam como presente dos deuses o milho para se alimentar. E foi dessa forma que teve início o quinto mundo, que é o nosso, e se chama a Idade de Nahui Olin, o Sol do Movimento.


O POVO ASTECA: O povo denominado Asteca tem origem ao norte das atuais terras mexicanas, e acredita-se que seus integrantes migraram de uma cidade mítica chamada Aztlán para o Sul, guiados por conselhos de heróis e Deus Huitzilopochtli, em busca de um local melhor para viver; Fixaram-se em ilhas no centro do lago Texoco e ali construíram uma cidade que se chamou Tenochtitlán, no mesmo local em que hoje fica a Cidade do México. Sua cultura absorveu os muitos costumes dos povos conquistados e as crenças de povos já desaparecidos, como os Teotiahuacanos, Olmecas, Toltecas. Pode-se perceber pelos mitos de criação astecas como a religião influenciava a vida da sociedade; eles acreditavam que, já que seus deuses iniciaram o mundo com sacrifícios de sangue, deveriam também ser aplacados com cerimônias semelhantes. Surgem daí os sacrifícios humanos que foram descritos por muitos e cujas imagens estão gravadas em suas esculturas de pedra; era preciso, por exemplo, arrancar o coração das vítimas e oferece-lo aos deuses, ainda sangrando, para renovar o sacrifício primordial e manter o Sol em movimento. Os astecas foram um povo influente e poderoso, e seu domínio se desenvolveu entre 1345 e 1521. Contudo, não foram capazes de enfrentar as armas de fogo dos conquistadores espanhóis no século XVI. A chegada do explorador Hernán Cortés às suas terras, em 1519, seria o começo do fim do Império Asteca.

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O CORAÇÃO DO CÉU
( Mito Maia Quiché )

Este é o primeiro relato. Esta é a primeira fala. Esta é a primeira história sobre o tempo em que nada existia; apenas o mar sereno cobrindo a Terra e o vasto céu cobrindo o mar. Nada se movia, nada se agitava, nenhuma união acontecia e nenhum som perturbava a tranquilidade das águas: o silêncio e a imobilidade reinavam na escuridão da noite. Nenhuma coisa tinha existência. Nem homens, animais, pássaros, peixes ou caranguejos; não existiam árvores, pedras, pântanos, barrancos, plantas ou bosques. O Criador estava sozinho: ele, que é dois: Gucumatz, o Criador, a Serpente de Plumas e Tepeu, o Formador, Senhor da Vida. Ambos adornados com penas verdes e azuis, Gucumatz e Tepeu existiram antes de tudo. Nas sombras da noite eles receberam a palavra. E falaram um com o outro, quebrando o silêncio sem fim. De suas palavras surgiu a Luz... E no momento da primeira alvorada eles conversaram, pensaram e conceberam a criação dos seres, o nascimento da vida e o surgimento das criaturas que iriam pronunciar seus nomes sábios e honrá-los. Pelas palavras de Gucumatz e Tepeu surgiu então o Coração do Céu, que é chamado Hurakán, o Furacão. O primeiro sinal do Coração do Céu é Calculhá-Hurakán, o Relâmpago. O segundo é Chipi-Calculhá, o Trovão. Estes três seres formam o Coração do Céu. Foram os três se aconselhar com Tepeu e Gucumatz, para decidirem como seria a vida e a claridade, de que maneira cresceriam as sementes, qual seriam o alimento e o sustento das criaturas. E, tendo deliberado bastante, eles disseram: - “Que assim se faça: que o vazio seja preenchido. Que as águas se retirem e haja espaço para o solo firme, em que se possa semear. Que amanheça e a luz ilumine a tudo, brilhando no alto.” Decidiram então, que os Progenitores não seriam homenageados ou glorificados enquanto não existissem seres dotados de consciência para fazer isso. Nesse momento eles pronunciaram a palavra: - “ Terra!” E a Terra passou a existir. A princípio como uma névoa ou neblina, a terra se condensou em estado sólido. Impelidas por um poder maravilhoso, da água ergueram-se as montanhas; e surgiram os vales e as colinas, ao mesmo tempo em que brotavam os ciprestes e os pinheiros. Profunda alegria tomou conta de Gugumatz, que declarou: - “Bem-vindo sejas, Coração do Céu! Hurakán, Chipi-Calculhá, Raxa-Caculhá: Relâmpago, Raio, Trovão.” Responderam-lhe: - “Completaremos nossa obra, nossa criação.” Puseram-se a trabalhar e primeiro formaram todas as terras, altas e baixas. Os rios correram livremente entre as colinas, e as águas se separavam ao encontrar as montanhas. Assim foi formada a Terra pelo Coração do Céu, que se tornou o Coração da Terra, após os tempos em que apenas o firmamento pairava sobre tudo que estava submerso sob as águas. Logo foram gerados os pequenos animais dos bosques e os guardiães das matas, os vinaquil huyub, espíritos das montanhas. E Perguntaram-se os progenitores: - “haverá apenas silêncio e imobilidade entre as arvores e arbustos? Não deveria haver quem os guarde? Eles meditaram e, em seguida, falaram. Por suas palavras foram criados as aves e os cervos. – “Tu andarás sobre quatro patas, dormirás nos vales dos rios, percorrerás a vegetação e lá te multiplicarás” – disseram eles ao cervo, antes de ordenar às aves. – “Vós habitareis em árvores e arbustos, ali fareis ninhos e vos multiplicareis, vossa vida transcorrerá entre os ramos e galhos.” Como foi dito, foi feito. E foram designados pelos Progenitores todas as habitações dos animais da Terra – o puma, o jaguar, a serpente, os quadrúpedes e os alados. Então o Criador, o Formador e os Progenitores pediram às criaturas: - “Falai, gritai, chamai, cantai, cada qual segundo vossa espécie e variedade. Invocai nossos nomes, glorificai-nos!” Porém os animais não conseguiam falar; apenas chilreavam, cacarejavam, guinchavam, bramiam, cada um a seu modo. Tepeu e Gucumatz, o Criador e o Formador, viram que nenhum daqueles seres saberia pronunciar seus nomes; e os Progenitores, que são o Coração do Céu, se entristeceram. – “Vosso destino será mudado” – disseram eles. – “Como não podeis invocar nossos nomes ou adorarnos, vivereis somente nos bosques e vossas carnes servirão de alimento a outros seres. E essa foi a vontade que manifestaram para todos, os grandes e pequenos animais que havia sobre a face da Terra. Debateram, então, sobre como fazer nova tentativa para criar seres conscientes. – “Já se aproxima o amanhecer e a aurora. Como fazer para que sejamos chamados, e nossos nomes sejam sempre lembrados sobre a Terra? Façamos agora aqueles que nos alimentarão e nos sustentarão, aqueles que nos elogiem e venerem! E assim o Criador e o Formador, e o Coração do Céu, que é o Relâmpago, Raio e Trovão, decidiram a criação dos seres humanos: apenas eles saberiam pronunciar seus nomes e adorá-los.


POVO QUICHÉ: Também chamados K´iche´ ou Quiche, os povos assim denominados constituem várias nações que se acredita serem descendentes dos antigos Maias. Na época da conquista espanhola da Mesoamérica, os mais numerosos descendentes do povo Maia eram os Quiché e os Cakchiquel, povos rivais que ocupavam os territórios da América Central, em especial onde hoje se localiza a Guatemala, mas abrangendo ainda várias regiões das Américas. Nessa época, século XVI, os europeus se depararam com inúmeras histórias que eram contadas oralmente pelas populações nativas, e que deviam remontar a séculos, desde a época da riquíssima cultura maia. Um escritor anônimo de origem indígena, que havia aprendido a língua dos conquistadores, registrou alguns desses mitos, compondo um livro que ficaria conhecido como “Popol Vuh” ou “Popol Vuj”, e junto com muitas outras narrativas traz à tona uma cultura vasta e rica, remetendo-nos aos tempos remotos em que o povo Maia dominava aquela região.

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TITIKACA E HUIRACOCHA
( Mito Inca )

Depois que um grande dilúvio cobriu a Terra, tudo era água, escuridão e silêncio. A primeira luz surgiu com o aparecimento de um jaguar de fogo, que se chamava Titi, e vivia tanto na terra quanto na água. Titi subiu a uma alta montanha de pedra e de lá iluminou o mundo; desde então, aquela foi chamada a Rocha do Jaguar, ou Titi-Kaka. Naquela região, formou-se um lago, que nasceu pois o Deus-avô Khunu havia estendido um manto de gelo sobre os planaltos dos Andes. Desse gelo derretido teve início o enorme lago sagrado consagrado ao jaguar de fogo, e que também se chamou Titikaca. Foi então que apareceu, às margens do lago sagrado, um grande deus que foi chamado Kon Tiki Huira Cocha Pachayachachic. Alguns o chamam de Huiracocha ou Viracocha, outros simplesmente de Criador, e alguns acreditam ser ele o Deus-Sol. Huiracocha queria povoar a terra devastada pelas águas e começou a criar os seres humanos esculpindo pedras e dando-lhes forma de gente. Formou homens, mulheres, crianças, chefes, famílias. Para cada grupo, Huiracocha deu uma denominação, decidiu que ponto do mundo iriam povoar, que línguas falariam e que nome cada criatura teria. Ele colocou os grupos de estátuas de pedra em nascentes, rochedos ou cavernas espalhados por vários lugares; mas todos continuavam imóveis. Depois disso, o Criador trouxe para junto do Titikaca dois filhos, ou ajudantes, que tinham por nomes Tocapa Huiracocha e Imaymana Huiracocha. E lhes disse para irem pelo mundo, a cada um dos lugares para onde ele havia mandado os seres de pedra. Chegando aos locais, Tocapa e Imaymana deveriam chamar as criaturas pelos nomes que lhes tinham sido atribuídos pelo deus. Tudo aconteceu conforme as ordens dadas: assim que eram chamados por seus nomes, os homens e as mulheres de pedra ganhavam a vida. Cada grupo saiu das cavernas, rochedos ou nascentes de rio em que o Criador os colocara, e fundaram então cidades para viver, criar seus filhos e povoar o mundo. Muitos deles receberam instruções dos Huiracochas sobre como trabalhar o solo, como construir casas e como alimentar-se. Agradecidos ao Deus Criador, esses povos consideraram as pedras ou cavernas de onde haviam saído como huacas, ou lugares sagrados. Os dois enviados do deus deveriam também trazer à vida plantas, flores e frutos, o que eles faziam dando nomes a cada uma de suas criações. Precisariam ainda criar animais, machos e fêmeas, ensinar às aves o tipo de canto que cada espécie teria de cantar e designar para cada espécie de animal o local que deveria habitar. Assim eles fizeram, e logo a Terra se encheu de seres viventes. Mas ainda havia escuridão; por isso, para que houvesse luz – além daquela primeira luz do jaguar de fogo – Huiracocha separou o dia da noite e criou o Sol, a Lua e as estrelas.  Ele ordenou aos astros que alcançassem o ponto mais alto da ilha que existe no meio do lago Titikaca, e que de lá subissem ao céu e iluminassem a Terra. No momento em que o Sol nasceu pela primeira vez, o deus chamou uma das raças que criara, a que ele dera o nome de Incas. Esse povo surgiu, pelas ordens do deus, de uma gruta chamada Paccari-Tambo, que depois seria homenageada como o local de origem daquela nação. Huiracocha lhes apareceu em uma forma resplandecente; contou-lhes que era seu criador e que estavam destinados a dominar muitas nações. Dizem que foi nesse dia que o deus entregou ao governante – a quem alguns chamam de Manco Capac – as insígnias reais: o ornamento para a cabeça e o cetro, dois objetos que seriam o símbolo do povo Inca. Depois Huiracocha deixou o Titikaca e foi caminhar pelo mundo, para verificar como os seres que tirara das pedras viviam, e ver se haviam se multiplicado e se cumpriam as determinações dele. Muitos povos honraram seu Criador, mas alguns não o reconheceram. Os povos que não obedeciam a suas ordens eram transformados em pedra, como castigo; as estátuas dessas criaturas estão espalhadas pelas terras visitadas pelo deus. Uma história conta que, ao andar em direção à cidade de Cuzco, ele parou na localidade chamada Cacha e viu os moradores correrem em sua direção brandindo armas para mata-lo. Furioso, Huiracocha ordenou que chovesse fogo sobre eles, a partir do cume de uma montanha. O fogo começou a avançar sobre a cidade, e somente então os homens perceberam que tinham um deus diante de si: prostraram-se a seus pés e lhe pediram que os perdoasse. Com um gesto do Criador, o fogo parou de descer da montanha e os homens se salvaram, mas até hoje é possível ver as encostas queimadas do morro. Os incas se tornaram um grande Império, e os povos criados por Huiracocha construíram muitas huacas para honrar os lugares e os seres sagrados. Dizem que, depois de deixar inúmeros ensinamentos às suas criaturas, o deus prometeu que um dia voltaria, e partiu; alguns acreditam que ele e seus filhos desapareceram nos céus. Outros afirmam que eles se foram pelo mar, caminhando sobre as águas até sumirem na distância. Mas todos sabem que, um dia, Huiracocha voltará.

POVO INCA: O Império Inca foi, provavelmente a civilização mais influente entre todas as culturas localizadas nas regiões dos Andes. Quando os espanhóis ali chegaram, no século XVI, o Império cobria uma enorme extensão da Costa Ocidental da América do Sul, do Peru ao Chile. A palavra “Inca” se refere ao governante supremo, que mantinha a sede de seu governo no Peru; mas acabou relacionada aos diversos povos que formavam o império e às suas peculiares formas de civilização. Habitavam terras vizinhas dos povos Araucanos, Fueguinos, Chibchas e Aymaras, tendo absorvido deles vários mitos e várias lendas; na verdade, as tradições dessas populações também se mesclaram com a dos Incas, num processo de troca cultural. Uma variação de seus mitos de origem diz que o Deus Criador (às vezes também denominado Huiracocha ou Viracocha), identificado com o Sol, foi o pai dos primeiros incas – Manco Capac e Mama Occlo – e que os enviou pelo mundo para civilizar os homens. Isso teria ocorrido por volta do ano 1.200 da era cristã. Mas há quem afirme que os primeiros incas viveram muito antes disso. Seja como for, suas conquistas foram enormes em terra, riqueza e obras arquitetônicas, mas duraram pouco tempo; o último soberano Inca, Atahualpa, seria aprisionado e morto por ordens do conquistador Francisco Pizarro.

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A MORTE DE KUADÊ, O SOL
( Mito Juruna )

O Sol, em tempos antigos, não morava no céu. Ele se chamava Kuadê e vivia na Terra, em uma aldeia distante; tinha mulher e três filhos. Poucos sabiam onde ficava a morada do Sol, mas os Juruna sabiam. Bem próximo à casa de Kuadê havia uma armadilha que ele armara para caçar: era um buraco na pedra, que sempre estava cheio de água. Quando qualquer animal enfiava a cabeça no buraco, para beber água, ficava preso e não conseguia escapar. Diariamente o Sol ia verificar a armadilha, matava os bichos aprisionados com sua borduna – um grande porrete que tinha vida própria – então levava a caça para casa. Certo dia, um rapaz Juruna foi passear para aqueles lados. Ele viu o buraco, mas não sabia que era uma armadilha: estava com sede e, quando colocou a mão lá dentro para pegar água e beber, ficou com o braço preso no buraco. O tempo passou, e o Sol foi até lá para buscar a caça. O Juruna percebeu que alguém se aproximava e ficou deitado, imóvel, fingindo-se de morto. Estava com tanto medo que até mesmo seu coração parou! Kuadê chegou, viu o corpo caído e foi procurar sinais de que ele havia morrido: como o Juruna não respirava e seu coração não parecia bater, soltou-o do buraco e colocou-o em um grande cesto, para levar embora. Antes de ir, querendo verificar se o rapaz estava morto mesmo, jogou dentro do cesto muitas formigas. O Juruna aguentou as picadas sem se mexer, porém, quando as formigas picaram seus olhos acabou se movendo. Kuadê não viu, mas sua borduna percebeu o movimento e quis ataca-lo. O Sol, entretanto, disse à borduna que o moço estava morto e que o deixasse em paz. Ao chegar em casa, Kuadê pendurou o cesto numa árvore e o deixou lá. Veio a noite, e apenas no dia seguinte o dono da casa mandou um de seus filhos ir buscar o corpo. Mas o filho do Sol não encontrou ninguém no cesto: o rapaz havia fugido durante a madrugada! Assim que ficou sabendo disso, o Sol atirou sua borduna em busca do fugitivo. A borduna saiu voando e logo encontrou vários animais, mas nenhum deles era o que o Sol queria. Depois de muita procura, acabaram encontrando o Juruna escondido na raiz oca de uma árvore. A borduna começou a bater na árvore, porém o rapaz não saía de dentro do oco. Depois ela cortou uma vara e começou a enfiar pelas frestas do tronco; mesmo assim, apesar de ficar todo machucado, o Juruna não saiu. O Sol viu aquilo e, como já estava anoitecendo, tapou todas as aberturas da raiz com pedras, prendendo o outro lá dentro, e disse: - "Amanhã voltamos para acabar com ele.” A noite caiu e vários animais se aproximaram da árvore: antas, porcos, veados, macacos, pacas, cutias... Queriam ajudar o rapaz a escapar, e todos ouviram o Juruna pedir: - “Cavem perto da raiz, para me soltar!” Os bichos começaram a cavar, mas estava difícil. Por fim, a anta abriu um buraco maior e o Juruno conseguiu colocar a cabeça para fora. Então eles cavaram mais ao redor e afinal ele ficou livre! Tratou de fugir dali. O dia nasceu, e o Sol lá se foi, com sua borduna, para captura-lo. E, outra vez, ficou furioso, pois a presa lhe havia escapado. A essa altura, o rapaz tinha voltado à aldeia Juruna e contado para sua mãe e todos os parentes o que havia lhe acontecido. Porém, poucos dias depois ele resolveu deixar a aldeia de novo, para colher cocos na mata. Embora a mãe lhe pedisse para não ir, pois poderia ser morto pelo Sol, ele teimou e foi. Para não ser reconhecido por Kuadê, cortou os cabelos e fez uma pintura de jenipapo, ficando bem diferente. Mata adentro, logo encontrou uma palmeira de inajá e nela subiu para pegar os cocos lá no alto. Foi então que o Sol apareceu. Primeiro, ele pensou que era um macaco lá no alto, mas não demorou para reconhecer o Juruna. E disse: - “Desça daí! Você me escapou do outro dia, mas hoje vai morrer. – “Não sou quem você pensa” – respondeu o rapaz – “, dou outra pessoa.” Kuadê não se deixou enganar. – “É você mesmo. Desça daí, vou matar você.” O Juruna não podia ficar lá no alto a vida toda. Então, propôs: - “Vou descer, mas primeiro tenho de jogar para baixo este cacho de cocos.” – “Joga” – respondeu o Sol. O rapaz jogou um cacho cheinho de cocos, e o Sol o apanhou. – “Pega mais um...” – pediu o moço, lá de cima. E atirou um cacho tão grande e pesado que, ao cair no peito de Kuadê, os cocos o derrubaram e o mataram. Na mesma hora, a borduna, que estava ali ao lado, saiu correndo e se transformou numa cobra, a salamandra, que também se chama uandaré-borduna-do-sol. Na mesma hora, tudo ficou escuro. Do corpo morto de Kuadê começou a escorrer sangue, que foi se transformando em bichos venenosos: aranhas, lacraias, formigas, cobras. Eram muitos, e todos eles foram cercando a palmeira, querendo envenenar o Juruna. Vendo que não conseguiria descer da palmeira, ele resolveu fazer como os macacos: foi pulando de árvore em árvore, de galho em galho, até que se viu livre dos bichos venenosos. Então desceu ao chão e correu para casa. Ao chegar lá, contou para sua mãe; - “Eu matei o Sol.” A mãe do Juruna ficou muito zangada, pois agora haveria apenas escuridão e, sem o Sol, como todos iriam viver? E isso aconteceu: sem a luz solar, as pessoas não conseguiam mais caçar, pescar, plantar. As crianças Juruna começaram a morrer. Na aldeia do Sol, a mulher de Kuadê logo percebeu que seu marido havia morrido. Até seus filhos iriam passar fome, sem a luz do Sol! Então, ela lhes perguntou: - “um de vocês tem de tomar o lugar de seu pai. Quem vai fazer isso?” O filho mais velho quis experimentar. A mãe colocou sobre sua cabeça o cocar com penas do Sol, e ele tentou subir para o céu. Mas o penacho do cocar era muito quente, e o filho do Sol não aguentou o calor; acabou descendo antes mesmo de amanhecer. A mãe então entregou o cocar ao filho do meio. Este subiu aos céus e chegou um pouco mais longe que o irmão, mas mesmo assim o calor era demais e ele voltou. Restava apenas o filho mais novo. A mãe colocou o penacho do Sol sobre sua cabeça, e ele se esforçou para iluminar o dia. Mas como o calor era forte demais, foi correndo, para que o passeio acabasse logo e ele pudesse descer. E a mãe lhe disse: - “ Você aguentou bem, mas deve andar mais devagar. Todos precisam da claridade para trabalhar, pescar, caçar. Quando estiver bem no alto, é bom parar um pouco para descansar. Assim o filho de Kuadê fez, E não desceu quando a noite chegou. Disse à mãe: - “Agora não posso mais voltar. Vou morar aqui no alto para sempre.” A mãe chorou, com saudades do filho, mas não havia mais jeito: desde aquele dia ele está no lugar de seu pai, Kuadê, e foi então que o Sol passou a morar no céu.


POVO JURUNA:  São incontáveis os grupos tribais que habitaram e habitam a América do Sul. Os Yudjá, Yuruna ou Juruna são uma nação pertencente ao tronco linguístico Tupi. Foram um dos povos nativos brasileiros mais atingidos por invasões de terras e conflitos com seringueiros. Remanescentes desse povo vivem no Mato Grosso, no médio e baixo Xingu, e acredita-se que haja membros da etnia no sudeste do Pará. O mito aqui narrado foi recolhido pelos irmãos Villas Boas, e fala do surgimento do Sol como ele é hoje. Consta que muitos dos elementos da cultura dos Yudjá ou Juruna estavam ligados à figura do xamã – como as relações com os astros, o mundo dos mortos, as curas, os remédios. Parece que, infelizmente, eles não possuem mais xamãs, desde que o último deles morreu.

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O ASTROS, OS MESES E AS ESTAÇÕES
( Povo Tsimshian do Alaska )

O Chefe-do-céu, que viveu antes de tudo o que foi criado, tinha dois filhos e uma filha; seu povo era numeroso. Nesse tempo, o céu era escuro e nada se enxergava nele. O filho mais velho do chefe se chamava O-que-sai-bem-cedo; o segundo filho tinha o nome de O-que-anda-por-todo-o-céu; e a única filha mulher era conhecida como Apoio-do-sol. Todos eles eram muito fortes, porém o do meio era bem mais sábio e hábil que o primogênito. Esse rapaz achava uma pena que o céu sempre estivesse escuro. Um dia, O-que-anda-por-todo-o-céu chamou o irmão mais velho para irem cortar lenha. Juntos, eles cortaram um galho de cedro bem fino e o dobraram, formando um círculo do tamanho da cabeça de uma pessoa; prenderam ramos em toda a volta do círculo, criando uma máscara. Então atearam fogo à máscara de madeira, para que O-que-anda-por-todo-o-céu a colocasse diante do rosto e saísse correndo rumo ao Oeste. De repente, todos viram uma grande luz subir ao céu! Maravilhadas, as pessoas assistiram o filho mais novo do chefe correr de Leste a Oeste, movendo-se tão rapidamente que as chamas da máscara incendiada não o queimavam. A partir desse dia, todas as manhãs o rapaz repetia essa corrida, e iluminava o céu. Então toda a tribo se reuniu e se assentou em conselho. –“Estamos felizes por seu filho nos ter dado luz”- disseram ao chefe. –“Mas ele é rápido demais; deveria ir mais devagar, para que todos pudessem aproveitar melhor essa luminosidade.” O chefe contou a seu filho o que o povo havia dito, mas O-que-anda-por-todo-o-céu respondeu: -“Se eu for mais devagar, a máscara queimará bem antes que eu chegue ao Oeste.” Ele continuou a correr muito depressa, e as pessoas continuaram a desejar que se movesse mais lentamente. Até que um dia sua irmã disse: -“Vou tentar atrasar um pouco a marcha de meu irmão.” No dia seguinte, quando O-que-anda-por-todo-o-céu surgiu no Leste e iniciou sua caminhada rumo ao Oeste, Apoio-do-sol apareceu no Sul e pediu: -“Irmão, espere por mim!” Ela correu o mais rapidamente que podia e alcanço o irmão no meio do caminho. Então, a menina o abraçou com força e o segurou por um tempo, até que ele conseguiu se soltar e prosseguiu sua caminhada. É por causa do abraço da irmã que o Sol sempre para um pouco quando chega ao meio do céu. Com isso, o povo da tribo soltou gritos de alegria, e o pai de Apoio-do-sol a abençoou. Mas o chefe não estava satisfeito com o filho mais velho. Achava que O-que-sai-bem-cedo não era tão esperto e capaz como seu irmão, o Sol. Ao ver o desapontamento do pai, o rapaz chorou muito, desanimado. Enquanto ele se lamentava, O-que-anda-por-todo-o-céu chegou de seu passeio diário e foi dormir, pois estava exausto. Dormia profundamente, e o brilho de seu rosto projetava luz pelo buraco da tenda que servia para sair a fumaça. Quando O-que-sai-bem-cedo viu que toda a família estava dormindo também, esfregou carvão e gordura no próprio rosto. Com isso, o brilho que o irmão mais novo projetava pelo buraco da fumaça refletia-se em sua face; Então o mais velho chamou seu escravo e ordenou-lhe: -“Assim que você me vir subir ao céu no leste, saia gritando “Viva! Ele surgiu!”. Ele deixou a tribo e apareceu no céu, sempre refletindo em seu rosto o brilho do irmão na face suja de carvão. O escravo começou a pular e a correr, gritando: -“Viva! Ele surgiu!” Várias pessoas apareceram, ralhando com o escravo. Diziam elas: -“Por que faz tanto barulho?” Em resposta ele indicava o céu ao Leste. Todos olharam, viram a Lua nascendo, e gritaram: -“Viva!” O tempo passou, e muitos animais passaram a viver no mundo. Certo dia eles se reuniram em conselho e decidiram que o Sol deveria continuar percorrendo o céu de Leste a Oeste, e que ele seria a luz do dia. Quanto à Lua, deveria andar somente à noite. Depois disso, puseram-se a decidir quantos dias deveria haver em um mês. Os cães, que até então eram considerados mais sábios que os outros animais, foram os primeiros a falar. –“A Lua deve nascer por quarenta dias” – falou o seu porta-voz. Mas os outros animais não gostaram da ideia e ficaram em silêncio, vendo os cachorros contarem até quarenta com os dedos. Até que finalmente o porco-espinho espetou um dedo do cachorro-chefe, e disse: -“Quarenta dias em um mês? Não podemos viver assim, o ano seria muito longo. Deveria haver só trinta dias em um mês.” Todos os animais concordaram com o porco-espinho, e os cães perderam na votação. Graças a esse conselho é que os meses duram trinta dias, e há doze meses num ano. Mas os animais ficaram zangados com os cachorros, e decidiram que eles deveriam ir embora. É por isso que os cães detestam as criaturas da mata, principalmente os porcos-espinho, por causa daquele que espetou um deles no dedo e o humilhou durante o conselho. E o formato dos dedos dos cachorros ficou do jeito que é hoje por culpa da espetada do porco-espinho. Naquele mesmo conselho, os animais decidiram que nomes teriam os meses: Entre outubro e novembro é o mês das Folhas-que-caem. Entre novembro e dezembro é o mês do Tabu. Entre dezembro e janeiro é o mês Que-está-no-meio. Entre janeiro e fevereiro é o mês da Primavera-do-salmão. Entre fevereiro e março é o Mês-do-comer-arenque. Entre março e abril é o Mês-de-cozinhar-arenque. Entre maio e junho é o mês do Ovo. Entre junho e julho é o mês do Salmão. Entre julho e agosto é o mês do Salmão-corcunda. Entre setembro e outubro é o mês do Pião.
Além disso, eles dividiram o ano em quatro estações: primavera, verão, outono e inverno. Enquanto todas essas coisas eram decididas, novidades aconteciam no céu. Certa noite, quando O-que-anda-por-todo-céu dormia, fagulhas escaparam de sua boca e se transformaram em estrelas. E, as vezes, quando ele se sentia muito feliz, pintava seu rosto com as tintas avermelhadas de sua irmã. Pelas cores, as pessoas podiam saber qual a temperatura que viria. Se sua cor vermelha colorisse o céu ao anoitecer, haveria bom tempo no dia seguinte; porém se a luz vermelha aparecesse pela manhã, era sinal de que uma tempestade se aproximava. E dizem que isso ainda acontece. Depois que o céu ganhou o Sol, a Lua e as estrelas, a filha do chefe, Apoio-do-sol, foi desprezada por seu povo, por ter tido uma parte tão pequena na criação dos astros. Infeliz, ela vagou em direção ao Oeste, entrou na água e suas roupas se molharam. Ao voltar para casa, pôs-se diante do fogo aceso por seu pai para se esquentar. Mas quando foi torcer as roupas molhadas, ela deixou as águas caírem sobre uma fogueira e elas evaporaram, formando uma grande nuvem de vapor que flutuou sobre a casa e se espalhou pela terra. Aquele vapor se tornou um nevoeiro úmido e moderou o calor que fazia. Seu pai a abençoou e todos na tribo aproveitaram o frescor do nevoeiro. E é por isso que, até hoje, todos os nevoeiros vem do Oeste, onde ficam as águas em que ela se molhou. O Chefe-do-céu se alegrou porque seus três filhos eram sábios e úteis; e até hoje O-que-sai-bem-cedo, a Lua, surge e some em uma jornada de quase trinta dias, para que as pessoas consigam contar o tempo. O Sol, O-que-anda-por-todo-o-céu, foi encarregado de criar coisas boas como as frutas e fazer com que elas venham em abundância. E Apoio-do-sol, a filha do chefe, refresca a terra quente com a neblina fresca.


POVO TSIMSHIAN DO ALASKA: Esse grupo tribal também era chamado Povo do Rio Skeenam um rio localizado na Colúmbia britânica, território canadense; mas no século XIX eles migraram para o Alaska, já em terras estadunidenses. Culturalmente, era um povo relacionado aos Haida e aos Kwakiutl – ambos grupos originários das costas do Canadá. Como esses, os Tsimshian sempre foram grandes escultores em madeira, e faz parte de seus costumes tecer belíssimas mantas, chamadas Chilkat. Confeccionadas com uma forma tradicional e complexa de tecelagem, típica da região, as mantas formam desenhos estilizados, cujos significados remetem aos animais presentes em seus mitos. Seu uso sempre esteve restrito às cerimônias e aos rituais das tribos. Hoje, a maioria dos Tsimshian vive na ilha Anette, em reservas, e eles são bastante atuantes na economia e na política do Alaska.

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AS CORES DOS PÁSSAROS
( Povos da região do Rio Yukon )

Nos tempos antigos, na época em que o mundo era pequeno, o Velho Coiote resolveu dar um jeito nas aves. Ele andava aborrecido porque todos os pássaros tinham as mesmas cores, sempre em tons de marrom, os mesmos formatos, e suas vozes soavam todas iguais. E apesar de o Velho Coiote já ter matutado muito sobre o problema, não sabia o que poderia fazer a respeito. Numa manhã muito quente, passeando junto às margens do rio Porco-espinho, um afluente do rio Yukon, parou e se inclinou junto às águas para matar a sede; e foi então que viu o corvo voar ali por perto, gritando “craw, craw” com sua voz rouca. Resmungando sobre a voz do corvo, que considerava horrenda, o Velho Coiote bebeu água e passou os olhos pelas pedrinhas à beira do rio. Algumas eram vermelhas, outras azuis; havia as esverdeadas e as cinzentas. Ao ver que não havia dois seixos iguais, ele exclamou: “ – É isso! Agora sei exatamente o que fazer!”. Na tarde seguinte, o Velho Coiote chamou todas as aves e explicou-lhes qual era seu plano. Ele criaria novas e diferentes roupagens para todos eles, e assim nunca mais haveria confusão entre os pássaros. “- Cada um de vocês será belo” – declarou ele. “- Os pássaros pequeninos terão cores brilhantes, como os menores seixos do riacho. As grandes aves ficarão elegantes e imponentes, como as rochas nos penhascos acima dos rios. Todos gostaram bastante da ideia e foram se organizando em filas para não perder nada do que iria acontecer. Iam pousando na beira do rio, nos galhos dos salgueiros, nas margens e nas rochas, ansiosos para ganharem suas novas roupagens. Apenas o corvo não estava satisfeito. Ficou saltando entre os grupos de aves, murmurando contra o Velho Coiote, assegurando-se para que o Velho não o ouvisse resmungar pelo canto do bico. Mas o outro não prestou a mínima atenção aos resmungos; já estava trabalhando. Os primeiros a ganharem novas cores foram os pássaros canoros, os menores e mais agitados. O Coiote foi usando pequenos pinceis e colocando um toque de vermelho aqui, um pouco de azul ali, asas verdes para uns, capuzes negros para outros. Todos estavam interessados e adorando a agitação, chilreando sem parar, chegando perto para ver a pintura. O beija-flor pairou tão próximo do Coiote que levou uma pincelada. “- Saia daí e me deixe trabalhar!” – o pintor reclamou, acidentalmente manchando o beija-flor com tinta carmim; desde então esse pássaro tem manchas cor de rubi no pescoço. O tempo passava e o número de aves aumentava sem parar. O Velho Coiote resolveu usar pinceis maiores e começou a trabalhar mais depressa; o tordo ficou parcialmente vermelho e o azulão ganhou muitos tons de azul. Enquanto isso, o Corvo continuava descontente. Às vezes ia mexer nas tintas e pegava um pouco de uma, um pouco de outra, e levava para longe, querendo examinar melhor as cores. Mas o Coiote continuava a não lhe dar atenção. Quando foi a hora de pintar as grandes aves, como falcões e águias, as cores estavam tão misturadas que eles foram coloridos em tons de marrons e cinzas; e quando restavam os cisnes e gansos, o pintor encontrou apenas tinta branca, e eles tiveram de se contentar com essa cor.
Ao terminar, o Velho Coiote pousou os pinceis; estava cansado, mas feliz com sua primeira tentativa de colorir. Foi então que o Corvo resolveu ir cutuca-lo. “- Você não me pintou” – resmungou ele, sempre rouco. “- Não, sinto muito. Minhas tintas acabaram” – foi a resposta do Coiote. “- Não posso fazer nada por você.” O Corvo não se conformou. “- Pois eu não quero ficar marrom como antes, agora que todas as aves estão coloridas! Acho que vou pintar a mim mesmo.” E, para espanto do Coiote, revelou que, enquanto este pintava, ele fora pegando bocados de várias cores para experimentar. Vendo que o outro não parecia zangado com ele, trouxe as tintas de volta e começou a fazer exigências. “- Eu já estou acostumado com o marrom, essa cor pode colorir as penas do meu corpo, mas gostaria de ter a cabeça mais vermelha que a do pica-pau.” O Coiote tentou não se irritar com a ousadia do Corvo. Tomou seus pinceis e coloriu da forma pedida, mas quando a ave foi se olhar no espelho das águas do rio, não gostou. Voltou para o pintor e pediu: “- Quero um círculo cor de laranja ao redor do pescoço, e as asas bem verdes.” Ainda sem dizer nada e tentando ser paciente, o Coiote o atendeu. E quando a ave se olhou no reflexo das águas mais uma vez, detestou o que viu. “- Isso está horrível! É melhor pintar minhas costas de azul e o resto de branco; o marrom é mesmo muito sem graça. Porém, após mais uma etapa de pintura, ao olhar seu reflexo nas águas do rio, o Corvo voltou furioso. “- Como você fez com que os pássaros ficassem tão bonitos, e me deixou deste jeito? Estou parecendo um arco-iris estúpido! Faça alguma coisa!” O Velho Coiote, a essa altura, estava cansado de aturar tantas ofensas, “- O que quer que eu faça?” – perguntou, muito irritado. “- Só restou um último tom de tinta, quer que eu use esse?” O Corvo, fora de si, berrou: “- Claro! É impossível ficar pior do que está, seu velho tolo!” Ninguém jamais chamara o poderoso Coiote de tolo. “- Pois muito bem!” – Desabafou ele, furioso. – “A partir de hoje, você terá uma única cor: suas penas serão negras, e desta cor ficará para sempre! Até que o mundo acabe, até que os rochedos desabem e que todos os peixes morram! Até que o Velho Homem do Rio corre pelo leito seco do rio Porco-espinho, levando num balde feito de casca de bétula as últimas gotas de água da Terra!” É por isso que, enquanto os pássaros têm tantas cores, o Corvo tem apenas uma.


POVO YUKON: O rio Yukon nasce no Noroeste do Canadá, e vai desaguar no Mar de Bering após atravessar o Alaska. O vale em que ele corre, chamado Vale do Yukon, deu nome a um território canadense e a seu redor se desenvolveram muitos povos nativos, falantes da linguagem Athapascana ou Atabascana, inclusive os Kutchin, os Nahani, os Hare e vários outros grupos. Tradicionalmente, esses povos viviam entre as florestas e a tundra, e às vezes se deslocavam para buscar caça e melhor temperatura. Em tempos antigos viviam da caça do búfalo, do caribu e do salmão. Os mitos dos povos Athapascanos do Yukon são inúmeros, e consta que seus anciães sempre foram grandes contadores de histórias. Na mitologia dessa região incluem-se contos etiológicos sobre a forma como as coisas foram feitas, e como se tornaram diferentes – como esta, sobre as cores das aves. É dito ainda que muitos dos seus mitos são semelhantes aos de povos moradores do outro Lado do Estreito de Bering, na Sibéria – o que alguns acreditam ser prova de que a origem dos povos indígenas americanos está mesmo na Ásia.


(continua...) 

Um comentário:

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